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Publicações de literatura infantil e infanto-juvenil de futebol na literatura brasileira

Alan Francisco de Paula 4 de setembro de 2023

Considerações iniciais

O futebol é um grande fenômeno sociocultural no Brasil, impactando a economia, a política e o dia a dia de milhões de brasileiros. O fenômeno futebolístico pode ser atestado a partir dos inúmeros estádios para o esporte, com enorme capacidade de público, localizados ao longo de todo o país. Além disso, é tão difundido culturalmente que é difícil não conhecer algum brasileiro que não tenha praticado o esporte (PEDROSA, 1967). Apesar da tamanha popularidade, é curioso que a produção literária brasileira não tenha abordado muito o esporte, com exceção de gêneros específicos como nas autobiografias, biografias, crônicas ou perfis. No entanto, para além da crônica, há uma produção literária considerável em que o esporte também se faz presente: a literatura infantil e infanto-juvenil. Como o futebol é bastante presente na socialização das crianças brasileiras, não é de se estranhar que ele também “entre em campo” nas quadras das letras infantis e juvenis. Com isso em mente, pretendemos neste artigo compreender o papel e o surgimento do futebol na literatura brasileira, assim como a contribuição da literatura infantil e infanto-juvenil no escopo maior da chamada literatura de futebol. Faremos isso a partir de um diálogo com a contribuição de pesquisadores que se debruçaram no tema da literatura de futebol e um levantamento da publicação de obras de literatura infantil e infanto-juvenil brasileira de futebol. 

Foto: Kampus Production/Pexels
Foto: Kampus Production/Pexels

Mapeando o futebol na literatura

O paradoxo ante a relativamente escassa produção literária brasileira em relação ao futebol não é uma questão recente. Milton Pedrosa em seu texto de 1967, “O futebol na literatura brasileira”, e Ivan Cavalcanti Proença no texto de 1981, “A literatura no (do) futebol”, já se depararam com esse fenômeno. O primeiro realiza uma pesquisa bibliográfica da publicação de obras de literatura que tratam do esporte em questão, sendo um trabalho pioneiro neste quesito. Vale notar que há um recorte específico por parte do autor sobre o que ele irá considerar por “literatura” em sua publicação. A literatura a qual Pedrosa visa abordar é aquela de “cunho artístico-literário”, que “abrange o romance, o conto, a crônica, o artigo, o ensaio, a peça de teatro, a poesia, o cinema, os campos da medicina e da legislação” (PEDROSA, 1967, p. 13.). Com esse recorte, o autor faz um levantamento de textos da literatura brasileira que tratam do futebol, tanto de forma central quanto periférica na obra. Assim, ele passa por publicações, em geral, de autores da primeira metade do século XX, como Lima Barreto, Aníbal Machado, Monteiro Lobato, José Lins do Rego, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, entre outros (PEDROSA, 1967). Conforme o texto, a produção literária de futebol recrudesce de fato a partir de 1940, sobretudo na crônica, ao mesmo tempo em que é relegado em outros gêneros literários: “Os trabalhos predominantes pertencem à categoria de crônica: raros às de romance, conto, poesia, teatro, cinema e ainda menos os que relacionam o tema à medicina, ao direito ou às artes plásticas” (PEDROSA, 1967, p. 15). Em virtude da pouca produção sobre futebol nos demais gêneros literários que o autor abrange, paira o questionamento sobre o porquê disso: afinal, se o futebol é tão presente na cultura brasileira como um todo, por quê nossos autores não se debruçaram tanto nele? 

Nesse sentido, Milton Pedrosa irá tentar entender esse fenômeno através de uma ótica social. A princípio, o futebol, desembarcando no Brasil através de marinheiros ingleses, era um esporte praticado majoritariamente pelas camadas mais ricas da população, pelo contato que possuíam com a Europa. Nesse primeiro momento, “o futebol era uma coisa chique” (PEDROSA, 1967, p. 18). Posteriormente, o futebol começa a atingir seu caráter de esporte das massas quando os anteriormente excluídos dos clubes de elite “ascendem finalmente às primeiras filas e são figurantes diretos do futebol em expansão” (PEDROSA, 1967, p. 19). Assim, as camadas mais pobres da população, os operários, os negros, etc, jogando onde podiam, foram se organizando e criando uma nova imagem do futebol. Quando isso ocorre, como não podia deixar de ser numa sociedade elitista como a brasileira, o futebol passa a ser mal visto pelas elites, tornando-se num “estigma social” (PEDROSA, 1967, p. 19). Essa infâmia por que passava o futebol atingia inclusive autores como José Lins do Rego, Otávio de Faria, Coelho Neto, dentre outros, os quais “eram censurados publicamente em razão de sua participação na vida esportiva, ou por se manifestarem na simples condição de torcedores” (PEDROSA, 1967, p. 20). 

Um fator importante para o autor, no que se refere ao “esquecimento” e até mesmo desprezo em relação ao futebol por parte dos escritores brasileiros, trata-se da origem de classe destes, principalmente os que estavam em atividade nas primeiras décadas do século XX. A intelectualidade brasileira, em sua maioria educada com influência eurocêntrica como era do gosto de nossa aristocracia, não se importava com o que acontecia de fato em terras brasileiras, principalmente com os mais pobres; daí um dos motivos da produção sobre futebol ser escassa até meados da década de 1940. Isso ocorria pois “o futebol não possuía aquêle caráter de nobreza capaz de fazê-lo assunto de suas criações literárias e artísticas” (PEDROSA, 1967, p. 22). Essa visão de literatura, como algo “nobre” e até “transcendental”, vem muito de uma influência neoclássica de arte que, querendo ou não, é bastante elitista e era muito presente no século XIX, com sua influência se mantendo até o surgimento do modernismo. Para verificarmos isso, basta lembrarmos que foi somente com os modernistas que a literatura brasileira passou a jogar os holofotes – ainda com suas várias contradições – nas camadas mais populares da sociedade, demonstrando a linguagem popular e suas variações, os costumes do povo, o folclore, etc. Não à toa, Pedrosa vai destacar alguns acontecimentos da primeira metade do século XX que propiciaram, ainda que de forma lenta, uma mudança neste paradigma, como a Primeira Guerra Mundial, a Semana de de Arte Moderna de 22 e as mudanças sociais dos anos 1930 (PEDROSA, 1967). 

Ademais, outro aspecto relevante para a parca produção literária sobre futebol foi a falta de um mercado específico para as publicações. Milton Pedrosa (1967, p. 24) inclusive chega a afirmar que essa carência de um mercado “foi sem dúvida fator ponderável, de responsabilidade no desinterêsse do intelectual brasileiro pelo tema, durante um longo período”. Para além do já problemático fato da não existência de um mercado que estimulasse a produção dessa literatura, há também um problema relacionado às questões raciais e sociais do país que, no começo do século XX, possuía 60% da população analfabeta – justamente parte considerável do público aficionado por futebol fazia parte dessa porcentagem. Logo, um mercado editorial que tratasse especificamente sobre o futebol era um mercado pequeno em um  macro que em si não era exatamente popular. Ainda, há o fato também de que o restante da população que era alfabetizada não se dedicava necessariamente à leitura de textos literários, fator que contribuía para que um mercado de literatura de futebol não fosse sustentável. 

Já em relação ao texto de Proença, podemos dizer que o autor faz uma espécie de continuação do que Pedrosa fez no texto que comentamos acima, sendo este inclusive uma de suas referências (PROENÇA, 1981, p. 10). No entanto, além de abordar produções menos canônicas, como é o caso do cordel, Proença se preocupa também em expor os próprios textos, citando diretamente trechos das obras. Essa preocupação com o texto em si faz sentido se levarmos em conta que ele traz também o conceito de “literariedade” em dado momento, uma noção formalista que valoriza a imanência textual. A literariedade é evocada quando o autor argumenta sobre como as crônicas podem sim ser “Literatura”. Sabe-se que “Literatura” não possui uma definição unívoca, possuindo definições um tanto amplas: 

 O termo literatura tem, pois, uma extensão mais ou menos vasta segundo os autores, dos clássicos escolares à história em quadrinhos, e é difícil justificar sua ampliação contemporânea. O critério de valor que inclui tal texto não é, em si mesmo, literário nem teórico, mas ético, social e ideológico, de qualquer forma extraliterário. (COMPAGNON, 2010, p. 34)

Dessa forma, trazendo o conceito de literariedade, o autor defende que certas crônicas são sim Literatura, pois

[além de] todo esse artesanato, somado à preocupação de alguma implicação social, nota-se nesses cronistas também a manipulação de vocabulário específico do mundo do futebol […], metáforas e símiles e hipérboles bem “casadas” com o clima do futebol e dos jogadores. (PROENÇA, 1981, p. 28)

Assim, demonstrando sua perspectiva teórica, Proença realiza análises panorâmicas da obra de autores como Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, Ruy Carlos, etc. Sendo essa, talvez, uma maneira de demonstrar como esses textos têm sim valores que alcançam o patamar do “literário”, a fim de quebrar esse estigma que a literatura de futebol historicamente sofre.

Por fim, salientamos que, na década 1990, o mercado editorial brasileiro passou por um significativo crescimento, tanto na publicação de títulos quanto no faturamento das editoras (COUTO, 2006). Com esse crescimento, por conta de uma melhora no mercado editorial, houve a possibilidade da publicação de obras de gêneros diversos – incluindo os livros que têm por tema o futebol. Isso é atestado pelo levantamento de Takara (2014) no qual foi verificado que, entre os anos de 1991 e 2000, houve a maior publicação de títulos de futebol: foram 522 títulos publicados neste decênio, num período que o autor percorreu de 1903 até 2013. Portanto, com base nesses números, pode-se dizer que a literatura de futebol não deixa dúvidas em relação à sua consolidação no mercado de livros do Brasil, instaurando um nicho próprio.

Inventariando a literatura infantil e infanto-juvenil de futebol

Ao longo desta Pesquisa de Iniciação Científica, a qual contou com o apoio do CNPq, que trata-se também de um Subprojeto do Projeto de Pesquisa intitulado “Literatura de Futebol no Brasil: dos primórdios aos dias atuais, desenvolvido por Elcio Loureiro Cornelsen, realizamos um levantamento das publicações de literatura infantil e infanto-juvenil de futebol. Isso foi feito primordialmente em pesquisas na Internet, partindo inicialmente de projetos que já realizam um trabalho de catalogação de livros sobre futebol, como o Museu do Futebol de São Paulo, do Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB) e o Ludopédio. Além destes, também utilizamos O futebol brasileiro – 1894 a 2013: uma bibliografia (2013), publicação de Lúcia Gaspar e Virgínia Barbosa, sites de vendas de livros como Amazon e Estante Virtual, assim como outras fontes, como bibliotecas virtuais para confrontarmos e verificarmos dados das publicações. 

Com esse levantamento, realizamos uma espécie de inventário do que fomos localizando das obras nesse recorte que propomos. Sobre inventário, podemos dizer que este

está relacionado com a morte. O inventário é posto em funcionamento a partir de um fim, de um encerramento, de um limite. “Inventariar” é “estar à procura”, “trazer à tona”, “trazer à luz”, é dispor de elementos que foram abandonados e sintonizá-los a partir de um critério comum. (KLEIN, 2013, p. 14)

Esses “elementos” que queremos trazer, neste campo da literatura de futebol, são justamente as publicações infantis e infanto-juvenis, as quais não costumam ser muito debatidas no campo dos Estudos Literários – mesmo que, muito provavelmente, o estudioso dessa área tenha iniciado sua vida literária justamente com livros destinado a crianças e jovens. 

Como podemos constatar, com essa proposta inventariante, partimos de arquivos, como os do CRFB e Ludopédio. Aqui, com “arquivo”, não nos referimos a um simples conjunto de dados e informações depositadas em algum lugar. Tomamos arquivo aqui na perspectiva que Dirce Eleonora Nigro Solis, partindo de Derrida, em que o toma como uma “tela desconstrucionista”. Assim, “a dimensão arquivística não é mais compreendida como repositório fechado, como fichário inerte, mas, ao contrário, como abertura, como movimento e por vir” (SOLIS, 2014, p. 375). É perceptível como os conceitos de inventariar e de arquivo são próximos nessas perspectivas, uma vez ambos prezam pela movimentação e mudança, recusando a inércia, seja estando “à procura” no inventário, seja como “movimento”, no caso do arquivo. Com isso em mente, é interessante notar como essas noções vão ao encontro da proposta do Ludopédio, por exemplo, que visa proporcionar uma rede de informações sobre futebol com textos e pesquisas que dialogam com as Ciências Humanas, para pesquisadores e interessados no tema. Dessa forma, a catalogação proposta pelo site não é um simples amontoado de informações sobre publicações acerca do esporte, mas sim uma rede que proporciona e estimula a interação e pesquisa dos que se interessam pelo assunto. 

Nesse ponto, faz-se necessário explicarmos o que consideramos por literatura infantil e infanto-juvenil nessa coleta de dados.  Ao longo da pesquisa, nos deparamos com várias publicações que, apesar do formato ser próximo de um livro ou até serem vendidos como livros, as obras estão mais afins a outras mídias como quadrinhos, HQs, almanaques, livros ilustrativos, livros de atividades, livros didáticos, manuais etc. Dessa forma, consideramos nesse levantamento somente aqueles livros que fazem uma mescla de ilustrações com texto e histórias mais curtas, no caso dos infantis, ou aqueles que já são um pouco mais densos, com mais páginas e até sem ilustração, mas que ainda visam a um público jovem, que é o caso dos infanto-juvenis. Vale ressaltar também que somente consideramos publicações de literatura brasileira, então obras oriundas de outros países não foram consideradas.

Ademais, há também a questão do “infantil” e “infanto-juvenil”. Decidimos por não realizar uma separação entre os dois gêneros nos dados coletados, uma vez que, na grande maioria dos livros, não foi possível consultarmos a catalogação bibliográfica deles. Então, devido a esse impasse, optamos por agrupar os dois gêneros para fins de praticidade. 

Análise dos dados

Em nosso levantamento, localizamos 191 diferentes obras de literatura infantil e infanto-juvenil, sendo 100 encontradas no Museu do Futebol de São Paulo, 44 no site Estante Virtual, 25 no Ludopédio, 19 na Amazon e 3 na publicação de Lúcia Gaspar e Virgínia Barbosa. Destacamos que se tratam de “obras diferentes” pois muitos desses textos são encontrados em mais de uma das fontes que utilizamos. Ademais, consideramos somente um exemplar de cada obra, então não repetimos em nossa contagem reimpressões e reedições em anos diferentes, porém iremos posteriormente destacar alguns best-sellers pela considerável quantidade de edições que apresentaram.

Como podemos ver no gráfico abaixo, apesar de localizarmos publicações até mesmo no final do decênio de 1950, é a partir do século XXI que as publicações de literatura infantil e infanto-juvenil de futebol de fato se ampliam. Esse crescimento, contudo, não é um fenômeno restrito à literatura infantil e infanto-juvenil de futebol em si, mas à literatura de futebol como um todo (PIAZZI, 2015, p. 41). 

 

Literatura futebol
GRÁFICO 1 – Publicações de literatura brasileira infantil e infanto-juvenil de futebol por ano

Outro dado que podemos destacar são as publicações durante anos de Copa do Mundo. Ainda segundo Piazzi (2015, p. 41), o “mercado editorial é um dos diversos setores que são movimentados devido à ocorrência de grandes eventos como a Copa do Mundo FIFA”. Ao consultar o Gráfico 1, podemos verificar que, em geral, essa afirmação se sustenta, pois vemos discrepâncias entre as publicações pré e pós os anos de 2006, 2010, 2014 e 2022 – períodos em que o evento foi realizado. Podemos destacar o ano de 2006 como o início desse boom de publicações em época de Copa do Mundo, no que se refere à literatura infantil e infanto-juvenil. O que faz com que seja curioso os dados de 2018, ano em que também houve o evento, visto que não foi um período tão produtivo para publicação das obras, sendo o único ano desde a Copa do Mundo de 2006 em que não houve produção significativa. 

Com relação à produtividade dos anos, destacamos a tríade dos anos de 2008, 2009 e 2010. Podemos compreender a alta nas publicações destes anos por conta da publicação de uma série de livros da editora Belas Letras destinados a torcedores mirins, com vários times inclusos. São livros de um projeto editorial, feitos a partir de colaborações com artistas e celebridades famosas, como Serginho Groisman, Fernanda Abreu, Nando Reis, entre outros. As obras, como Meu pequeno atleticano ou Meu pequeno cruzeirense, são direcionadas a públicos (e torcedores) específicos, procurando uma aproximação entre os pais e filhos e os times de coração. Ao todo, nesses três anos em questão, foram publicados 15 livros desse projeto, sem levar em conta algumas reedições. 

Esse tipo de publicação “por encomenda”, destinada a torcidas específicas, também foi explorada pela editora Panda Books, com sua série “O dia em que me tornei…”. O padrão é o mesmo: livros com times específicos, escritos por artistas e celebridades. A Panda Books publicou esses livros entre 2007 e 2011, então podemos dizer que nesse final da década de 2000, havia um mercado específico que visava atingir um público leitor, que também era torcedor, a partir de uma “representatividade”. 

Se pensarmos um pouco mais além numa ideia de “representatividade” e os livros infantis e infanto-juvenis de futebol, apontamos também o crescimento de publicações que tratam questões de gênero e o esporte. Livros como Joana Banana (2002), Menina também joga futebol (2014), Gol Delas (2019), A menina e o jogo de bola (2015), dentre outros, fazem parte desse universo futebolístico que tenta ser mais inclusivo com as meninas. Como os debates das questões de gênero têm se intensificado nos últimos anos, não à toa essas publicações vêm crescendo a partir da década de 2010, instaurando quase que uma espécie de lugar-comum narrativo (e pedagógico).

Agora, já que citamos um “lugar-comum”, um que se mantém fortemente presente na literatura infantil e infanto-juvenil de futebol é a associação lúdica entre futebol e animais. É curioso pensar que encontramos esse tópos na obra mais antiga que localizamos para essa pesquisa, que é o Futebol dos animais (1957), de Francisco Acquarone. Seguindo essa tradição, localizamos: Futebol da bicharada (2011), Bichobol – o futebol da bicharada (2001), Futebol da bicharada (1982), O futebol dos animais (2013), Futebol de bichos (2017), Futebol dos bichos (2000), É o Bicho Futebol Clube (2000), Bilu, o macaco artilheiro (2022), para citarmos alguns. Note-se como até mesmo há obras com o mesmo nome, assim como a presença de um léxico bem próximo no geral (“bicho”, “bicharada”). Levando em conta a presença dessa temática entre as obras mais antigas e recentes, podemos dizer que trata-se de um nicho bem estabelecido tanto para o mercado quanto para criações literárias. 

Por fim, citamos também algumas obras que se destacam pelas várias reedições que tiveram. É o caso de O caneco de prata (1971), que já se encontra em sua 17ª edição; O incrível roubo da loteca (1978), que localizamos até quinze edições; A bola e o goleiro (1984), que chegou a dezesseis edições através da editora Record, além de uma edição especial por meio da Companhia das Letras em 2008 – interessante notar que esta trata-se de uma obra do célebre autor baiano Jorge Amado –, e Sabor de vitória (1996), com 10 edições. Dada a quantidade de reedições desses livros, podemos assumir que são “best-sellers” dentro do segmento, conseguindo o feito até mesmo de dialogar com diferentes gerações.

Considerações finais

Como vimos, o percurso da literatura de futebol é sui generis na história da literatura brasileira. Desde seu surgimento, o esporte demonstra bem a tensão entre a dita “alta cultura”, com a literatura de um lado, e a cultura de massa, com o futebol de outro. Inicialmente desprezado pelos escritores brasileiros, o futebol foi aos poucos conquistando seu espaço dentro da literatura brasileira. Consolidando-se de fato nas crônicas inicialmente, o esporte também encontrou campo fértil na literatura infantil e infanto-juvenil, constituindo um mercado próprio, com autores, editoras e leitores exclusivos para esse meio. Com essa pesquisa esperamos contribuir para mais estudos que tenham como foco não somente a literatura de futebol, mas também a literatura infantil e infanto-juvenil que costuma muitas vezes ser deixada de lado uma vez que alcançamos maturidade e maioridade – como se ela fosse algo menor. Ressaltamos também que os dados coletados deste artigo não são definitivos, podendo ser alterados a partir de novas fontes bibliográficas e com as publicações que por ventura nos escaparam; assim a pesquisa continua cumprindo sua proposta como função arquivística: esperando um por vir.

 

* Pesquisa desenvolvida entre 01 de setembro de 2022 e 31 de agosto de 2023, com Bolsa de Pesquisa do Programa PIBIC, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Referências 

AMAZON. Amazon. Acesso em: 09 ago. 2023.

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução: Cleonice Paes Barreto Mourão, Consuelo Fortes Santiago. 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

COUTO, Marina Vargas. A indústria editorial no Brasil: trajetória, problemas e panorama atual. 2006. 67 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação – Habilitação em Produção Editorial) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

ELEONORA NIGRO SOLIS, D. TELA DESCONSTRUCIONISTA: ARQUIVO E MAL DE ARQUIVO A PARTIR DE JACQUES DERRIDA. Revista de Filosofia Aurora, [S. l.], v. 26, n. 38, p. 373–389, 2014. DOI: 10.7213/aurora.26.038.AO.10. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/aurora/article/view/1096. Acesso em: 8 ago. 2023.

ESTANTE VIRTUAL. Estante Virtual. Acesso em: 09 ago. 2023.

GASPAR, Lúcia; BARBOSA, Virgínia. O futebol brasileiro, 1894 a 2013: uma bibliografia. Brasília: Fundação Joaquim Nabuco, Ministério do Esporte, 2013.

KLEIN, Kelvin dos Santos Falcão. A literatura do inventário: arquivo, anacronismo e além. Orientador: Raúl Antelo. 2013. 402 f. Tese (Doutorado em Literatura) – Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.

LUDOPÉDIO. Ludopédio. Acesso em: 25 jul. 2023.

PEDROSA, Milton. Gol de letra: o futebol na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Gol, 1967.

MUSEU DO FUTEBOL. Museu do Futebol do Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB). Acesso em: 8 ago. 2023.

PIAZZI, Giulia. Esporte de massa como objeto de nicho: Uma análise editorial do mercado de livros de futebol. 2015. 93 f. TCC (Bacharelado em Letras – Tecnologias de edição) – Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.

PROENÇA, Ivan Cavalcanti. Futebol e Palavra. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.

TAKARA, Ademir. Livros sobre futebol publicados no Brasil (1903-2013). 2014, São Paulo. II Simpósio Internacional de Estudos sobre futebol. Simpósio 2014.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Alan Francisco

Estudante de Letras na Universidade Federal de Minas Gerais, bacharelando Estudos Literários e bolsista pelo CNPq.

Como citar

PAULA, Alan Francisco de. Publicações de literatura infantil e infanto-juvenil de futebol na literatura brasileira. Ludopédio, São Paulo, v. 171, n. 4, 2023.
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