Para Antonio Jorge, Carlos Alberto, Edgar e Felipe: vascaínos.

Quando eu comecei a ler a Placar, em 1977, um dos primeiros pôsteres a vir encartado na revista trazia uma caricatura do centroavante do Clube de Regatas Vasco da Gama, o Roberto. A imagem o fazia chutar uma bomba no lugar da bola, lembrando uma das formas com que se chamava um disparo forte em direção ao gol. Por semelhança, evocava-se o apelido tornado sobrenome: Dinamite.

O Vasco seria, naquele ano, campeão estadual, vencendo nos pênaltis outro Clube de Regatas, o do Flamengo, contumaz adversário no remo e no futebol. Mazarópi defendeu a cobrança de Tita, os vascaínos confirmaram as suas, Roberto entre eles, e a fatura foi liquidada. No ano seguinte, o Fla venceria o carioca com um improvável gol de cabeça do zagueiro Rondinelli, marcador do atacante vascaíno. Este, por sua vez, deveria ter acompanhado o oponente que, livre, fuzilou o goleiro Leão depois do perfeito escanteio cobrado por Zico. Começava ali um ciclo virtuoso para os rubro-negros, campeões de tudo nos anos seguintes, incluindo um tri carioca, dois brasileiros, uma Libertadores e uma Copa Intercontinental.

No mesmo 1978, Leão, Zico e Roberto – assim como Abel, também do Vasco – representaram o Brasil na Copa do Mundo disputada na Argentina. O goleiro se manteve soberano, enquanto os dois maiores ídolos de Flamengo e Vasco oscilaram entre a titularidade e a suplência.  Substituindo Reinaldo na terceira partida, Dinamite logo marcou um gol e ainda fez outro, importantes para que a seleção conseguisse a medalha de bronze do torneio. Para o Mundial seguinte, na Espanha, em 1982, a convocação veio apenas depois do corte de Careca, restando ao vascaíno a reserva de Serginho, ótimo atacante que, no entanto, destoava naquele time muito técnico. Teria sido, talvez, a hora e a vez de Roberto Dinamite, que não voltaria em 1986. Para a competição disputada no México, Telê Santana preferiu os centroavantes Careca e Casagrande, ambos, sem dúvida, grandes jogadores.

Roberto foi um atacante completo: posicionamento na área, arrancada, chute forte e preciso com os dois pés, cabeçada, arremate de longe, precisão e frieza nas cobranças de falta e pênalti. Fazendo par com outros grandes jogadores, fez entrar para história bons marcadores que não puderam pará-lo. Roberto Rivelino, pelo Fluminense, aplicou certa vez um drible elástico no zagueiro Alcir e correu com a bola para fazer o gol no Vasco; Romário fez o mesmo, mas na linha de fundo, quando jogava no Cruz-matino, no volante Amaral, completando para as redes corintianas; Robinho, aos dezoito anos – muito antes de se tornar um criminoso condenado por estupro – realizou uma sequência impressionante de pedaladas frente ao lateral Rogério que, sem alternativas, derrubou-o na grande área. Era a final do Campeonato Brasileiro de Futebol, e o então jovem de dezoito anos, apontado por Pelé como dono de um futuro que prometia, converteu a cobrança, abrindo a contagem da vitória do Santos sobre o Corinthians. Mais impressionante que todos esses, foi, no entanto, um antológico tento de Roberto: recebendo de Zanata na entrada da área, aplicou um lençol no beque-central Osmar Guarnelli, para logo depois concluir de voleio contra a meta botafoguense. Não foram poucos os lindos lances decisivos que tiveram o Maracanã como palco. Pudera, com tantos craques desfilando talento naquele gramado, como poderia ser diferente? De Garrincha a Zico, de Didi a Rivelino, de Gerson a Ronaldo, de Jairzinho a Romário, há o gol de placa, de Pelé, em 1961, e o de Roberto, 15 anos depois.

 

Assim como Pelé e Garrincha juntos na seleção nunca viram derrota, Zico e Roberto jamais perderam uma partida vestindo a camiseta amarela. Um foi o contraponto e o complemento do outro, ídolos rubro-negro e vascaíno durante um período em que o encontro entre os clubes era chamado de Clássico dos Milhões, tanta era a gente que acorria ao Maracanã para assistir às memoráveis partidas dos anos 1980. Foi em tardes de domingo que assisti a esses jogos, cujos lances mais emblemáticos eram revistos nos programas esportivos, mas também nos finais de semana seguintes, na programação do Canal 100 que antecedia a projeção dos filmes nos cinemas da cidade.

Foram dez anos na seleção, entre idas e vindas, com Roberto sempre disputando posição com jogadores do nível de Reinaldo, Careca, Casagrande e Serginho, o que fez com que não fosse tão frequente como poderia sua presença no escrete nacional. Aliás, não deixa de ser uma triste ironia que no dia da morte de figura tão admirável e que tanto fez pelo futebol, no último domingo, a camisa da seleção tenha sido novamente conspurcada pelo delírio delinquente de uns quantos que assaltaram Brasília. No final da carreira, o grande centroavante do Vasco soube reinventar-se, jogando como ponta-de-lança e servindo o jovem Romário em suas fenomenais arrancadas para o gol. Aventurou-se ainda pela Portuguesa paulista e pelo Campo Grande, do subúrbio carioca, desta vez com o amigo Cláudio Adão, igualmente vivendo os últimos suspiros como jogador profissional. Admiráveis futebolistas. Que o Brasil também saiba se reinventar no rumo de democracia, depois desses anos de maldade e estupidez que vivemos.

Ilha de Santa Catarina, janeiro de 2023.

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Roberto, do Vasco (13.04.1954-08.01.2023). Ludopédio, São Paulo, v. 163, n. 13, 2023.
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