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Cultura, Identidade e Futebolização no Norte da Europa: Bélgica e Holanda

Rodrigo Koch 5 de agosto de 2022

Este artigo integra a série Cultura, Identidade e Futebol (KOCH 2022a, KOCH 2022b, KOCH 2022c, KOCH 2022d, KOCH 2022e, KOCH 2022f), como parte final do período de pós-doutorado (Institut Universitari de Creativitat i Innovacions Educatives de la Universitat de València), no qual observei as condições e produtividades da Futebolização (KOCH 2020) em território europeu. Como de hábito, as ferramentas metodológicas utilizadas são a observação e as fotografias. As localidades avaliadas neste texto foram Amsterdam (capital da Holanda), e Brussel (capital da Bélgica) e demais cidades históricas belgas.

Antes de apresentar os aspectos da cultura futebolizada destas localidades, convoco o sociólogo Zygmunt Bauman para novamente explicar alguns pontos que envolvem a cultura e a identidade europeias.

No es solamente la cultura el descubrimiento/la invención de Europa. Europa también inventó la necesidad de cultivar la cultura. (BAUMAN 2009, p.24)

No entanto, destaca Bauman que pela diversidade de etnias, linguagens, hábitos e costumes não é possível estabelecer internamente uma identidade única e coesa entre os europeus.

[…] nosotros, los europeos, somos tal vez la única gente que (como sujetos históricos y actores de la cultura) carece de identidad; una identidad fija, o una identidad considerada y tenida por fija: no sabemos quiénes somos, y aún menos sabemos en qué nos podemos convertir o lo que podemos aprender que somos. (BAUMAN 2009, p.25)

Em certa medida, é o que ocorreu entre Bélgica e Holanda em séculos passados. De forma breve, resgato parte desta saga partindo de um olhar limitado, pois o objetivo aqui não é traçar uma cronologia histórica completa de belgas e holandeses.

A ocupação territorial dos Países Baixos (atualmente Holanda) teve início na pré-história, tendo sido habitado desde o paleolítico. O período histórico tem início com o Império Romano, quando partes ao sul do Rio Reno foram incluídas na província Gália Belga, e posteriormente na província Germânia Inferior. Nesta época o país era habitado por várias tribos germânicas, e ao sul por celtas, que se mesclaram aos recém chegados durante a peregrinação dos povos que sucedeu à queda dos romanos.

No período medieval, os Países Baixos (incluindo a Bélgica) consistia em vários condados, ducados e dioceses pertencentes ao Ducado de Borgonha e ao Sacro Império Romano. No século XVI, foram unificados em um só Estado regido pelos Habsburgos. A Contra Reforma e os intentos de centralizar o governo e de reprimir a diversidade religiosa, resultaram em uma revolta contra a coroa espanhola. A independência foi declarada, em 26 de julho de 1581, e finalmente reconhecida depois da Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648). Este período marcou o início do Século de Ouro da ‘nova nação’, com grande prosperidade comercial e cultural.

Em 1815, o Congresso de Viena decidiu reunir a Bélgica e a Holanda num único reino. O novo território foi intitulado Reino dos Países Baixos e governado pelo rei Guilherme I. A Bélgica, no entanto, conseguiu a sua independência em 1830, assim como posteriormente Luxemburgo. Esta independência reduziu o Reino dos Países Baixos praticamente aos limites das Províncias Unidas. Depois da ocupação francesa no início do século XIX, os Países Baixos passaram a ser uma monarquia. Entretanto, após um período conservador, fortes sentimentos liberais não puderam ser mais ignorados, e o país passou a ser uma democracia parlamentar com uma monarquia constitucional em 1848. Permanece assim desde então, com uma breve interrupção durante a ocupação pela Alemanha Nazista.

Para não passar em branco, vale lembrar que a Bélgica ocupa uma espécie de fronteira cultural entre a Europa Germânica e a Europa Latina, sendo basicamente constituída por dois grupos linguísticos: os flamengos (Flanders, ao norte) – falantes do neerlandês (como na Holanda) –, e os valões (Valônia, ao sul) – que falam francês –, além de um pequeno grupo de pessoas que adotaram a língua alemã. A região de Brussels, oficialmente bilíngue, é um enclave de maioria francófona na região flamenga. A diversidade linguística da Bélgica e conflitos políticos e culturais são refletidos na história política e no complexo sistema de governo do país, tendo sinais velados (ou por vezes explícitos) na sociedade.

Amsterdam – Holanda

A capital holandesa é sede de um dos principais clubes de futebol da Europa: AFC Ajax – detentor da hegemonia do futebol no país, de quatro títulos de Champions League, e de outras diversas conquistas internacionais. Portanto, com naturalidade as principais manifestações espontâneas de crianças, jovens e adultos aficionados nesta cidade estão vinculadas ao clube, seja trajando camisetas em sua maioria ou portando outros artefatos do clube. A loja oficial do AFC Ajax está localizada estrategicamente em uma das principais ruas comerciais de Amsterdam. Também há registros de artefatos futebolizados – como camisetas, mochilas, bonés, e mantas entre outros – da seleção holandesa (três vezes vice-campeã mundial e campeã da Eurocopa em 1988) e de demais agremiações europeias – com destaque para o FC Barcelona e Paris Saint Germain FC, além de variados clubes ingleses e italianos.

Ajax
Loja oficial do Ajax no centro de Amsterdam. Fotos: Rodrigo Koch

O futebol holandês e o FC Barcelona mantêm uma relação íntima de anos. No clube catalão passaram os principais nomes do futebol do país, como Johan Cruyff, Ronald Koeman, Johannes Neeskens, os irmãos Frank e Ronald de Boer, e Patrick Kluivert entre outros. Alguns deles depois de atuarem pelo FC Barcelona retornaram como técnicos e dirigentes do time catalão.

Na região central e histórica de Amsterdam vale o destaque para a estátua de cera de Lionel Messi na entrada do Museu Madame Tussauds e para a loja de sapatos Cruyff – que se utiliza do nome e da imagem o ex-jogador e principal ícone do futebol holandês.

Holanda
Elementos futebolizados na região central da capital holandesa. Fotos: Rodrigo Koch

Brussel, Gent e Brugge – Bélgica

Em Brussel, capital da Bélgica, há uma pequena, mas diversificada circulação de camisetas e artefatos futebolizados. Jovens e adultos timidamente carregam as marcas e símbolos de variados clubes europeus. Nas lojas centrais, que comercializam souvenires da cidade, também são vendidas camisetas e bonés da seleção belga, que disfruta na contemporaneidade talvez de seu melhor momento histórico, reunindo uma geração de talentosos jogadores com destaque internacional. Entre os objetos expostos nas lojas estão camisetas pirateadas das estrelas Kevin de Bruyne, Eden Hazard e Romelu Lukaku. O clube local – RSC Anderlecht – desperta pouco interesse dos aficionados.

Brussel
Aspectos da futebolização em Brussel. Fotos: Rodrigo Koch

Durante a semana que estive em Brussel, me chamou atenção um grupo de jovens garotos que utilizavam a Grand Place como palco/campo para suas atuações e desafios vinculados ao futebol. Um misto de espetáculo para os turistas com ludicidade. Também são perceptíveis a presença e influência do futebol holandês e brasileiro na cidade através de símbolos e artefatos comercializados.

Brussel
Presença de artefatos futebolizados de outros países em Brussel. Fotos: Rodrigo Koch

Gent é a segunda maior cidade belga e, também sedia um clube de futebol: KAA Gent – um dos mais antigos times da Europa, fundado em 1864. Apesar da longa existência, o KAA Gent foi campeão da Bélgica apenas uma vez (2014-15) e, na última temporada chegou ao seu quarto título de copa nacional. Na cidade, são raras as crianças e jovens que circulam com qualquer artefato da equipe. Os poucos que escolhem o futebol como ‘pano de fundo’ nas suas vestimentas, optam pelos clubes espanhóis, franceses ou ingleses. Há lojas que vendem artefatos futebolizados tanto do KAA Gent (convertidas em pequenas fan shops) como da seleção belga.

Gent
Futebolização em Gent. Fotos: Rodrigo Koch

Na charmosa e turística cidade de Brugge, capital da província de Flanders Ocidental e localizada no noroeste da Bélgica, são quase nulas as manifestações futebolizadas pelas ruas. No entanto, percebe-se o vínculo do município com o futebol através da loja de produtos oficiais do time local – C Brugge KV – e pelas várias camisetas pirateadas da seleção belga (e algumas também do Club Brugge) que são vendidas em lojas de souvenires. Nesta localidade, os aspectos e artefatos futebolizados se mesclam de forma discreta e sutil com a história de Brugge, mantendo uma certa harmonia na qual o futebol parece ser apenas um distante elemento vinculado ao lazer.

Club Brugge
Fan shop do Club Brugge. Fotos: Rodrigo Koch

Referências

BAUMAN, Z. Europa: una aventura inacabada. Traducción de Luis Álvarez-Mayo. Buenos Aires, Argentina: Editorial Losada, 2009.

KOCH, R. Futebolização: identidades torcedoras da juventude pós-moderna. Brasília, DF: Trampolim Editora/Ministério da Cidadania, 2020.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebol na Europa contemporâneaLudopédio, São Paulo, v. 153, n. 10, 2022a.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização na Península Ibérica: Lisboa e ValènciaLudopédio, São Paulo, v. 153, n. 25, 2022b.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização na Europa Ocidental: França, norte da Itália, e SuíçaLudopédio, São Paulo, v. 154, n. 28, 2022c.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização em BudapesteLudopédio, São Paulo, v. 155, n. 18, 2022d.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização nas capitais do DanúbioLudopédio, São Paulo, v. 156, n. 15, 2022e.

KOCH, R. Cultura, Identidade e Futebolização na CroáciaLudopédio, São Paulo, v. 156, n. 27, 2022f.

Wikipédia. Bélgica. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%A9lgica Consultado em julho de 2022.

Wikipédia. Guerra dos Oitenta Anos. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_dos_Oitenta_Anos Consultado em julho de 2022.

Wikipédia. História dos Países Baixos. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_dos_Pa%C3%ADses_Baixos Consultado em julho de 2022.

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Como citar

KOCH, Rodrigo. Cultura, Identidade e Futebolização no Norte da Europa: Bélgica e Holanda. Ludopédio, São Paulo, v. 158, n. 5, 2022.
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